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O ARGUMENTO DA DIFERENÇA PRÁTICA

Um dos argumentos de positivistas exclusivos contra positivistas inclusivos para mostrar que, se o Direito incorporasse critérios morais, ele deixaria de funcionar como Direito, é o argumento da diferença prática . Segundo este argumento, para que o Direito fizesse diferença prática para nossa conduta, seria preciso que o Direito nos fornecesse uma razão para agir de certa maneira que fosse adicional e distinta das razões que já teríamos para agir daquela maneira antes ou independentemente do Direito. Nesta postagem explicarei em que este argumento consiste. Considere uma obrigação moral bem estabelecida, como a de cumprir promessas. Sob circunstâncias normais, sem que excepcionalidades intervenham, temos obrigação moral de nos comportar do modo como prometemos a outros que nos comportaríamos. Se utilizarmos o símbolo “OM” para indicar “É moralmente obrigatório que” e o símbolo “cp” para indicar “cumprir promessas”, então, poderíamos dizer que: OM(cp), isto é, é moralmente obrigatório

Representação Política (3): Problemas com o Protetor Autorizado

Na minha primeira postagem sobre representação política, propus três modelos de representante: o porta-voz selecionado (que procura votar exatamente como seu eleitor votaria), o protetor autorizado (que decide com seu próprio critério o que é do melhor interesse de seu eleitor) e o legislador republicano (que vota pelo que é melhor para o país em geral, e não necessariamente para seu eleitor em particular). Já na segunda postagem , explorei algumas dificuldades com o modelo do porta-voz selecionado, especialmente nos casos em que a posição do eleitor não está formada, não é conhecida ou não é consensual (ou, pelo menos, amplamente majoritária). Estes casos pareciam obrigar a transição ao modelo do protetor autorizado. Portanto, dessa vez, falaremos de vantagens e desafios deste segundo modelo, bem como de como ele se sai em comparação com o primeiro. Digamos que o projeto X está sob apreciação e eu, como representante, preciso votar contra ou a favor. Dadas as dificuldades exploradas

Representação Política (2): Problemas com o Porta-Voz Selecionado

Vamos relembrar da última postagem : Está sob apreciação o projeto X e eu, como representante de cem mil eleitores, tenho que votar contra ou a favor. É do meu conhecimento que a maioria das pessoas é a favor de X, mas o meu partido é contra X. Minha base eleitoral é bem dividida sobre X. Minha opinião pessoal é que X é um projeto desimportante, fachada para dar holofote a quem propôs. Na condição de representante, como eu deveria votar? Primeiro, vamos adotar o modelo de representação que, na última postagem, chamei de porta-voz selecionado. Como devem lembrar, é aquele que vota não de acordo com suas opiniões, mas de acordo com as opiniões de seus eleitores. É como um proxy legislativo que vota do modo como seus eleitores votariam. Mas o que acontece quando os eleitores que o legislador está tentando representar não têm uma opinião sobre o projeto em questão? Ou se têm, mas o legislador não sabe qual é, exatamente? Ou ele sabe, mas são opiniões conflitantes? É bom afastar uma possibi

Representação Política (1): Três Modelos

Considere o caso seguinte: Está sob apreciação o projeto X e eu sou um dos representantes eleitos que votará a respeito. Eu represento cem mil eleitores que votaram em mim para o cargo que tenho. Eles votaram em mim, acredito eu, porque em minha campanha prometi avançar o projeto Y, que eu de fato tenho tentado fazer aprovar. Mas X, o projeto em votação agora, nada tem a ver com Y. Eu sei que todos os que me elegeram apoiam Y, mas não sei qual a posição deles sobre X. Nas minhas consultas às minhas bases eleitorais, fico com a impressão de que metade dos meus eleitores apoia X e metade rejeita X. Eu sei, no entanto, que a maioria dos eleitores apoia X, enquanto o partido a que eu pertenço é contra X. Eu sei também que, na minha opinião, X sequer é um projeto relevante, é apenas um projeto de fachada para atrair controvérsia e promover os outros representantes eleitos que o submeteram à votação. Tendo em vista tudo isso, eu, se quiser fazer plenamente meu papel de representante, deveria

Neoliberalismo: Para Entender Melhor O Que Está Acontecendo

Neoliberalismo não é o retorno do liberalismo clássico. O abismo entre, de um lado, John Locke, Adam Smith e Jeremy Bentham e, de outro, Friedrich Hayek, Ludwig von Mises e Milton Friedman (deixando, por ora, os ordoliberais de lado) não é só geracional, mas é também teórico. Não se deve pensar o neoliberalismo como continuidade doutrinária do liberalismo, embora, claro, certas premissas sejam as mesmas e certas estratégias sejam semelhantes. O liberalismo clássico foi uma doutrina política, econômica, social e ética que reagiu contra o absolutismo. Bem resumidamente, ele afirma o primado do indivíduo sobre a sociedade, legitima o Estado por uma aceitação contratual tácita dos indivíduos, limita seu poder à defesa de certos direitos individuais naturais, faz da utilidade ou da dignidade seu fundamento moral, defende que o livre mercado é o caminho para o maior crescimento econômico e melhor distribuição de oportunidades, pensa que tudo que é necessário para o mercado funcionar bem é

"Métodos" de Interpretação (1): "Método" Literal

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Introdução Na Hermenêutica Jurídica Tradicional, um rol de seis esquemas, ou critérios, ou "métodos" de interpretação encapsulava o que, em tese, eram as ênfases possíveis ao interpretar uma norma jurídica. A lista clássica oferecia as seguintes possibilidades: a) Método Literal b) Método Intencionalista c) Método Sistemático d) Método Histórico e) Método Sociológico f) Método Teleológico Nesta série de oito postagens apresento e explico cada um dos seis "métodos", com exemplos didáticos que os ilustram, argumentos persuasivos em seu favor e críticas que os problematizam. Reservo para as duas últimas postagens uma discussão sobre o status de "métodos" (razão por que a expressão aparecerá nas postagens sempre entre aspas) e sobre as razões por que, na Hermenêutica Jurídica Contemporânea, aquela lista deixou de ser considerada conclusiva. Nesta primeira das oito postagens, tratarei apenas sobre o "método" literal.

Críticas às Quatro Pretensões Epistêmicas da Teoria Pura do Direito, de Kelsen

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Introdução Se a postagem anterior explicava as quatro pretensões epistêmicas da Teoria Pura do Direito (1939, doravante TPD), de Hans Kelsen, esta agora reúne as críticas que diferentes gerações de autores, a partir de diferentes pontos de vista, fizeram a elas. Em alguns casos, as críticas são tão específicas que teria sido um desserviço, ao explicá-las, omitir os nomes de seus autores. Noutros casos, a mesma crítica já foi feita por tantos autores de diferentes formas, que o desserviço viria de associá-las com nomes particulares. De modo geral, a regra foi não identificar o exato autor da crítica, dando mais ênfase ao argumento que à fonte. Distinções Preliminares Antes de tratarmos das críticas, contudo, convém distinguir os tipos de crítica que vamos encontrar. Do contrário, podemos reunir no mesmo cesto, como se faz com frequência no Direito, críticas que se apoiam em pressupostos tão contrastantes a ponto de sequer serem compatíveis entre si. Em primeiro lugar, é pre